domingo, 8 de janeiro de 2012

Dois microcontos


O falecido

Quando tio Virgílio faleceu, tia Moça desejou morrer também. Isso ela não contou para ninguém e até medo de pensar alto ela teve! “Nada como um dia atrás do outro...”, chegou a comentar com uma amiga, desejando resistir. E fez-se forte, no correr dos dias, engolindo os soluços e apostando em dias menos vazios... Tio Virgílio, como bom marido-fantasma que se tornara, esteve com ela, a lhe reanimar para a vida durante alguns meses. No dever de viver para “criar os meninos” e cuidar do armazém ela foi ficando, fincando raízes profundas. Encontrei tio Virgílio, na mesa mediúnica, anos atrás e ele me confidenciou: “O tempo de sua tia-avó se esgotou. Vou levá-la comigo... Se ela permitir, é claro! Ela se agarra ao corpo e tem nos dado muito trabalho. Para quem desejou tanto me ver, ela até que está mudada! Vive agora dizendo que tem medo do ‘falecido’... Vá, entender, meu neto, vá entender!” 

De ouro...

Quando morei em Paracatu, meu maior prazer era ir conversar com os caminhoneiros na lanchonete do posto de gasolina da estrada que liga aquela cidade a Belo Horizonte e a Brasília. Como geólogo contratado por uma grande mineradora eu vivia por aquela região buscando indícios de ouro, zinco e outros metais preciosos ou raros. Mas, para não ser molestado, eu me tornei um simples professor de Matemática, que nos finais de semana se embrenhava pelos cerrados e rios, matas e grutas, com os amigos e, especialmente, com os colegas de trabalho que vinham de longe certificar-se dos meus achados. Um dos caminhoneiros com quem eu pude conviver mais de perto era o Paranaense. Com ele cheguei a viajar algumas vezes para Vazante, onde ele ia buscar minério de zinco no seu velho FNM. Todas as manhãs eu o encontrava tomando seu café com leite na lanchonete do posto. A cada dia ele levava a tiracolo um dos seus quatro filhos, todos pequenos. Um deles, em especial, me chamava a atenção por dois bons motivos: o prazer de ouvir conversa alheia e a capacidade de observar as coisas e por meio delas evadir-se...  “- Cadê o menino?”, eu perguntava ao seu pai, brincando, ao percebê-lo distante. “- Pergunte pra ele, ora!”. Naquele instante ele fitava a máquina de fazer café. Não sei se pelos reflexos do inox ou qualquer outro motivo. Inesperadamente ele se virou para mim e antes que eu pudesse dizer alguma coisa, comentou: “Não parece de prata?! Mas nem disso é! Se fosse de ouro vocês nem seriam amigos, não é? Um já teria matado o outro para ver quem ficava com tudo...” Lembrei-me, de súbito, dos veios que encontrara. No dia seguinte, voltei para o Nordeste. Sem um grama no bolso! Assim nasceu minha pousada nas areias quentes e desertas, por aquela época, um recanto desconhecido entre Itabuna e Salvador. 

domingo, 1 de janeiro de 2012

Poema de Ano Novo e todos os dias


Nem o mundo, nem este poema há de acabar...

Hoje é domingo - dia de chuva?
nem um pingo!

Se pingo de chuva cai na gente
a gente se encharca...
como Noé faremos uma arca:
nos abrigamos do sol e da chuva
e celebraremos o casamento da viúva

Da viúva do tamanduá-bandeira
aquela que mora na floresta
perto do rio, bem na beira
rio habitado por peixes
todos começados em pê
poraquê, piranha, pirarucu
pirarara, pintado e pacu

Tem dia que chove piaba
pequeno peixe que cai do céu...
muita gente, nessa hora, se pergunta:
se boca grande tem o chapéu
e se a piaba nele cair
ele pode tudo engolir...

Tudo engolido, saciada a fome
nem mais festa precisamos fazer!

Termino eu este poema
com chuva ou com sol?
na dúvida evoco o prazer
de falar de futebol...

Se o mundo é uma bola
e se a alegria - mesmo que só de alguns
é fazê-la chegar ao gol
subo mais alto, batendo as asas
como um pássaro em pleno vôo
vendo o mundo bem de cima
e sem nenhum medo ou cisma
de que este mundo há de acabar
nem mesmo este poema corre risco, afirmo
pois há sempre novos verbos
para se rimar...

Finalizado em 1º de janeiro de 2012, domingo.