UMA EXPERIÊNCIA DO USO DO "INGURISHU"
Sob o título "Releitura de Babel" o jornal A Tribuna (Santos-SP) publicou um artigo que defende o inglês como língua universal incontestável. Lucas Yassumura, tradutor profissional e professor de inglês e espanhol em Jundiaí-SP, rebateu com a seguinte resposta, a qual gentilmente nos permitiu reproduzir.
Ou esse jornalista é muito ingênuo quando escreve que "no Japão, na China e nos Tigres Asiáticos, de tradições seculares, no Oriente Médio, na América Latina, na Africa (...) e em qualquer esquina do planeta é possível comunicar-se em inglês", ou ele está sendo pago por escolas de inglês para dizer isso, ou ainda bebeu muito e está com uma terrível dor de cabeça, a ponto de não saber mais o que fala (ou escreve).
Eu morei por três anos no Japão, falo inglês e espanhol fluentemente, sou tradutor profissional desses dois idiomas e possuo um bom nível de comunicabilidade e leitura em japonês. Tive a grande oportunidade de viajar para vários países da America do Sul a negócios. Quando cheguei no Japão, a primeira coisa que fiz (como qualquer pessoa sensata faria) depois de dar entrada no setor de imigração, foi procurar por informações... e é claro que o fiz em inglês. Quase não pude entender o que o distinto funcionário do aeroporto falava! A pronúncia do "in-gu-ri-shu" (English) dele era tão horrível que acabamos tendo de nos comunicar por escrito.
Nas ruas do Japão, NINGUÉM fala em inglês e aqueles que tentam, só balbuciam sílabas quase incompreensíveis. Uma vez tive de dirigir um carro cujo nome era "Bluebird" (da Nissan, se não me equivoco), mas o japonês que me deu a chave do carro me disse: "você vai dirigir o 'buruubaado'...". Eu, ainda aprendiz do idioma nipônico, nem imaginei que o tal "buruubaado" pudesse ser uma palavra inglesa, mas japonesa. Então pedi ao meu interlocutor que repetisse o nome do carro, ao que ele se irritou e gritou em minha cara: "você não disse que fala em inglês???? é um nome inglês, estúpido!!! "buruubaado", viu!!!". Fiquei estarrecido. Como eu não conseguia de nenhuma maneira entender o que ele me dizia, pedi-lhe humildemente que me levasse até o carro. Ao chegar no estacionamento, eis que vi a palavra "Bluebird"... Tentei corrigir a pronúncia do japonês, mas ele não aceitou que um 'brazuca' pudesse corrigi-lo, um cidadão do chamado primeiro mundo...
A experiência não pára por aí. Tive muitos contatos com chineses durante a minha estada naquele país e depois aqui no Brasil, em uma empresa que possuía filiais em Taiwan. Logicamente a comunicação era feita em inglês, mas a penosos sacrifícios, já que o aparelho fonador do chinês só consegue reproduzir cerca de 120 sons possíveis, contra os cerca de 1120 catalogados da língua inglesa (v. 'O Desafio das Línguas', de Claude Piron). É uma tarefa hercúlea entender os chineses, os japoneses e os coreanos falando em inglês!
Para piorar ainda mais o cenário, o jornal 'Le Monde' publicou, em 18 de abril deste ano, um artigo que dizia sobre os pais coreanos estarem mandando seus filhos a médicos para fazer uma operação na língua, de maneira que elas pudessem ficar mais compridas e, com isso, terem uma melhor habilidade com a língua inglesa (atenção: é só com a língua inglesa que esses pais coreanos estão preocupados...). É estarrecedor o ponto onde chegamos! (quem quiser averiguar esta história deve entrar no site http://www.lemonde.fr).
Já dentro do nosso contexto latino-americano, nunca precisei falar com os nossos vizinhos em inglês, mas quando o fiz, arrependi-me amargamente. Embora haja um esforço louvável de nossos irmãos
'hispanoparlantes' em aprender o idioma de Shakespeare, a pronúncia deles é feita de modo rápido (tal como se eles estivessem falando em espanhol), mas com a desvantagem de literalmente jogar fora todas as consoantes finais das palavras inglesas, o que torna o sentido incompreensível na maioria das vezes. Por exemplo, a palavra "good" vira "gú", "home-run" transforma-se em "honrón" etc. E isso não é culpa deles, mas de um sistema que os pressiona para aprender rapidamente o inglês sem o devido cuidado fonético, porque "ele é a língua internacional, deve ser aprendido rapidamente, caso contrário não teremos sucesso em nossas vidas profissionais" e todas essas baboseiras que nós, brasileiros, também enfrentamos.
E por falar nos brasileiros, vocês já viram um aluno de nível intermediário ou avançado conversando com um nativo? É de se lamentar, principalmente com relação à quantidade de palavras derivadas do latim existentes no inglês, que ele pensa estar usando corretamente, quando na verdade, deveria usar um composto 100% anglo-saxão. Já tive a oportunidade de escutar alguém falando "please, speak more rapid", quando, na verdade, o mais próximo do correto seria "please, speak faster" (por favor, fale mais rápido). O inglês tem dessas coisas: quase sempre há duas palavras para uma mesma idéia, sendo uma delas proveniente de raízes genuinamente anglo-saxônicas, e outras do latim. "Rapid" e "fast" (que também pode ser, dependendo do contexto, "quick") é um pequeníssimo exemplo disso.
Isso tudo sem falar na pronúncia anasalada, tipicamente brasileira, e na troca constante do som de "r-enrolado" com o "h-aspirado". Vejo com freqüência estudantes falando "red" (vermelho), como "had" (passado do verbo ter), misturando as pronúncias e causando, algumas vezes, uma pequena confusão lingüística.
É possível escrever um livro inteiro com as absurdices do aprendizado do nobre idioma inglês, mas não é esse o intuito. O inglês é um idioma maravilhoso, lindo e melodioso, com uma extensa literatura (nativa) e que dá a nós, pesquisadores e profissionais, muito campo de trabalho. Entretanto, para mim ele é tão somente um idioma, como o é o espanhol, o italiano, o francês, o alemão, o grego, o russo, o japonês, o chinês, o latim e o sânscrito. São todos igualmente maravilhosos, ricos e cheios de curiosidades, cada um com suas melodias e características próprias.
Contudo, aos fanáticos pelo inglês, fica a pergunta: É possível comunicar-se em inglês em qualquer canto do planeta? É claro que não! Isso é falta de compreensão profunda sobre o tema, mas como sabemos, jornalistas não se preocupam em se aprofundar nas questões sobre o que vão escrever (salvo as raras exceções).
Em contrapartida, tive a grata oportunidade de me comunicar em esperanto com algumas pessoas desses mesmos lugares citados pelo jornalista santista. Ainda tenho, através do excelente programinha Paltalk e das salas de bate-papo criadas pelo nosso nobre colega e batalhador do esperanto Emilio Cid. É incrível como até mesmo um chinês e um japonês conseguem falar e se comunicar em esperanto, ainda que com sotaques carregados. Será que esse jornalista experimentou algo similar para poder dar aquela afirmação em seu artigo?
Vários colegas ao redor do mundo, muitos dos quais se apresentam apenas uma ou duas vezes no Paltalk, fazem-se entender com uma facilidade de causar inveja a qualquer professor de inglês e espanhol (sei muito bem do que estou falando, pois também dou aulas dessas línguas). Se o esperanto ainda não cumpriu o seu definitivo papel como verdadeira língua internacional, acredito firmente que ele está ocupando um espaço considerável no contexto mundial. Seus efeitos são imediatamente sentidos quando alguém o aprende (devida e corretamente) em qualquer lugar do planeta.
O inglês só ocupa a posição em que está por causa de uma intensa propaganda jorrada em todos os meios de comunicação do mundo todos os minutos. Agora mesmo tive de usar uma palavra inglesa porque é o nome do programa a que me referi acima (Paltalk). E vocês, caros leitores, estão usando provavelmente a "Internet", ou lendo este artigo num "email" através do "Outlook Express", ou "MS-Outlook", ou "Eudora", ou qualquer outro leitor de "emails", cujo nome é em inglês. Usamos a língua inglesa a todo instante porque SOMOS OBRIGADOS. Vejam se, nos seus aparelhos eletrônicos, os nomes dos botões estão em português. É bem provável que não, salvo algumas exceções (feitas por empresas conscientes). Só que eu ainda tenho de apertar o "play" no meu videocassete quando quero assistir a um filme. Por que eu não poderia apertar "executar"? É por pura pressão comercial, só por causa disso.
Isso sem mencionar que, quando vamos no cinema, vamos provavelmente assistir a um filme estadunidense (em inglês), ouvimos as canções nesse idioma etc. etc. Daí ele estar tão forte e ter tanto apelo. É como aquela música sertaneja (odeio música sertaneja) que fica insistentemente tocando nas rádios, canais de televisão, lojas, supermercados... De tanto escutar, acaba-se decorando a letra e, quando menos percebemos, estamos cantando. Aprende-se a gostar por osmose. É exatamente isso o que tem acontecido com o inglês, falando em termos bastante genéricos. Quanto a querer fazer dele um instrumento de comunicação internacional... Não sei, não... Ele está mais para o Volapük (língua criada há 100 anos pelo padre Schleyer), que na forma escrita funciona perfeitamente, mas quando falado, é um desastre.
Eu morei por três anos no Japão, falo inglês e espanhol fluentemente, sou tradutor profissional desses dois idiomas e possuo um bom nível de comunicabilidade e leitura em japonês. Tive a grande oportunidade de viajar para vários países da America do Sul a negócios. Quando cheguei no Japão, a primeira coisa que fiz (como qualquer pessoa sensata faria) depois de dar entrada no setor de imigração, foi procurar por informações... e é claro que o fiz em inglês. Quase não pude entender o que o distinto funcionário do aeroporto falava! A pronúncia do "in-gu-ri-shu" (English) dele era tão horrível que acabamos tendo de nos comunicar por escrito.
Nas ruas do Japão, NINGUÉM fala em inglês e aqueles que tentam, só balbuciam sílabas quase incompreensíveis. Uma vez tive de dirigir um carro cujo nome era "Bluebird" (da Nissan, se não me equivoco), mas o japonês que me deu a chave do carro me disse: "você vai dirigir o 'buruubaado'...". Eu, ainda aprendiz do idioma nipônico, nem imaginei que o tal "buruubaado" pudesse ser uma palavra inglesa, mas japonesa. Então pedi ao meu interlocutor que repetisse o nome do carro, ao que ele se irritou e gritou em minha cara: "você não disse que fala em inglês???? é um nome inglês, estúpido!!! "buruubaado", viu!!!". Fiquei estarrecido. Como eu não conseguia de nenhuma maneira entender o que ele me dizia, pedi-lhe humildemente que me levasse até o carro. Ao chegar no estacionamento, eis que vi a palavra "Bluebird"... Tentei corrigir a pronúncia do japonês, mas ele não aceitou que um 'brazuca' pudesse corrigi-lo, um cidadão do chamado primeiro mundo...
A experiência não pára por aí. Tive muitos contatos com chineses durante a minha estada naquele país e depois aqui no Brasil, em uma empresa que possuía filiais em Taiwan. Logicamente a comunicação era feita em inglês, mas a penosos sacrifícios, já que o aparelho fonador do chinês só consegue reproduzir cerca de 120 sons possíveis, contra os cerca de 1120 catalogados da língua inglesa (v. 'O Desafio das Línguas', de Claude Piron). É uma tarefa hercúlea entender os chineses, os japoneses e os coreanos falando em inglês!
Para piorar ainda mais o cenário, o jornal 'Le Monde' publicou, em 18 de abril deste ano, um artigo que dizia sobre os pais coreanos estarem mandando seus filhos a médicos para fazer uma operação na língua, de maneira que elas pudessem ficar mais compridas e, com isso, terem uma melhor habilidade com a língua inglesa (atenção: é só com a língua inglesa que esses pais coreanos estão preocupados...). É estarrecedor o ponto onde chegamos! (quem quiser averiguar esta história deve entrar no site http://www.lemonde.fr).
Já dentro do nosso contexto latino-americano, nunca precisei falar com os nossos vizinhos em inglês, mas quando o fiz, arrependi-me amargamente. Embora haja um esforço louvável de nossos irmãos
'hispanoparlantes' em aprender o idioma de Shakespeare, a pronúncia deles é feita de modo rápido (tal como se eles estivessem falando em espanhol), mas com a desvantagem de literalmente jogar fora todas as consoantes finais das palavras inglesas, o que torna o sentido incompreensível na maioria das vezes. Por exemplo, a palavra "good" vira "gú", "home-run" transforma-se em "honrón" etc. E isso não é culpa deles, mas de um sistema que os pressiona para aprender rapidamente o inglês sem o devido cuidado fonético, porque "ele é a língua internacional, deve ser aprendido rapidamente, caso contrário não teremos sucesso em nossas vidas profissionais" e todas essas baboseiras que nós, brasileiros, também enfrentamos.
E por falar nos brasileiros, vocês já viram um aluno de nível intermediário ou avançado conversando com um nativo? É de se lamentar, principalmente com relação à quantidade de palavras derivadas do latim existentes no inglês, que ele pensa estar usando corretamente, quando na verdade, deveria usar um composto 100% anglo-saxão. Já tive a oportunidade de escutar alguém falando "please, speak more rapid", quando, na verdade, o mais próximo do correto seria "please, speak faster" (por favor, fale mais rápido). O inglês tem dessas coisas: quase sempre há duas palavras para uma mesma idéia, sendo uma delas proveniente de raízes genuinamente anglo-saxônicas, e outras do latim. "Rapid" e "fast" (que também pode ser, dependendo do contexto, "quick") é um pequeníssimo exemplo disso.
Isso tudo sem falar na pronúncia anasalada, tipicamente brasileira, e na troca constante do som de "r-enrolado" com o "h-aspirado". Vejo com freqüência estudantes falando "red" (vermelho), como "had" (passado do verbo ter), misturando as pronúncias e causando, algumas vezes, uma pequena confusão lingüística.
É possível escrever um livro inteiro com as absurdices do aprendizado do nobre idioma inglês, mas não é esse o intuito. O inglês é um idioma maravilhoso, lindo e melodioso, com uma extensa literatura (nativa) e que dá a nós, pesquisadores e profissionais, muito campo de trabalho. Entretanto, para mim ele é tão somente um idioma, como o é o espanhol, o italiano, o francês, o alemão, o grego, o russo, o japonês, o chinês, o latim e o sânscrito. São todos igualmente maravilhosos, ricos e cheios de curiosidades, cada um com suas melodias e características próprias.
Contudo, aos fanáticos pelo inglês, fica a pergunta: É possível comunicar-se em inglês em qualquer canto do planeta? É claro que não! Isso é falta de compreensão profunda sobre o tema, mas como sabemos, jornalistas não se preocupam em se aprofundar nas questões sobre o que vão escrever (salvo as raras exceções).
Em contrapartida, tive a grata oportunidade de me comunicar em esperanto com algumas pessoas desses mesmos lugares citados pelo jornalista santista. Ainda tenho, através do excelente programinha Paltalk e das salas de bate-papo criadas pelo nosso nobre colega e batalhador do esperanto Emilio Cid. É incrível como até mesmo um chinês e um japonês conseguem falar e se comunicar em esperanto, ainda que com sotaques carregados. Será que esse jornalista experimentou algo similar para poder dar aquela afirmação em seu artigo?
Vários colegas ao redor do mundo, muitos dos quais se apresentam apenas uma ou duas vezes no Paltalk, fazem-se entender com uma facilidade de causar inveja a qualquer professor de inglês e espanhol (sei muito bem do que estou falando, pois também dou aulas dessas línguas). Se o esperanto ainda não cumpriu o seu definitivo papel como verdadeira língua internacional, acredito firmente que ele está ocupando um espaço considerável no contexto mundial. Seus efeitos são imediatamente sentidos quando alguém o aprende (devida e corretamente) em qualquer lugar do planeta.
O inglês só ocupa a posição em que está por causa de uma intensa propaganda jorrada em todos os meios de comunicação do mundo todos os minutos. Agora mesmo tive de usar uma palavra inglesa porque é o nome do programa a que me referi acima (Paltalk). E vocês, caros leitores, estão usando provavelmente a "Internet", ou lendo este artigo num "email" através do "Outlook Express", ou "MS-Outlook", ou "Eudora", ou qualquer outro leitor de "emails", cujo nome é em inglês. Usamos a língua inglesa a todo instante porque SOMOS OBRIGADOS. Vejam se, nos seus aparelhos eletrônicos, os nomes dos botões estão em português. É bem provável que não, salvo algumas exceções (feitas por empresas conscientes). Só que eu ainda tenho de apertar o "play" no meu videocassete quando quero assistir a um filme. Por que eu não poderia apertar "executar"? É por pura pressão comercial, só por causa disso.
Isso sem mencionar que, quando vamos no cinema, vamos provavelmente assistir a um filme estadunidense (em inglês), ouvimos as canções nesse idioma etc. etc. Daí ele estar tão forte e ter tanto apelo. É como aquela música sertaneja (odeio música sertaneja) que fica insistentemente tocando nas rádios, canais de televisão, lojas, supermercados... De tanto escutar, acaba-se decorando a letra e, quando menos percebemos, estamos cantando. Aprende-se a gostar por osmose. É exatamente isso o que tem acontecido com o inglês, falando em termos bastante genéricos. Quanto a querer fazer dele um instrumento de comunicação internacional... Não sei, não... Ele está mais para o Volapük (língua criada há 100 anos pelo padre Schleyer), que na forma escrita funciona perfeitamente, mas quando falado, é um desastre.
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