Os andaimes e os edifícios
"...a ilusão de que somos eternos neste corpo responde por muitas tragédias." Pedro Garcia de La Vega
Um amigo engenheiro comentou comigo algo sobre a teoria dos andaimes. Ouvira de um colega, durante a construção de um grande edifício em São Paulo, lá pelos anos cinqüenta. Eu a resumirei, lamentavelmente sem a elegância com que ela foi contada.
Eu já conhecia a palavra andaime. O seu significado e as várias formas de utilização, sempre me chamaram a atenção. Admirei-me, porém, ao descobrir que existia empresas especializadas em locá-las; enfim um insuspeito mercado de provisórios arranjos. Sejam feitos de madeira, de tubos de aço ou de qualquer outro material, os andaimes não permanecem indefinidamente nos canteiros de obra. São colocados ali para cumprir um objetivo passageiro. Após a conclusão da obra, ele é desmontado, reaproveitado ou deslocado para outro local.
Muito bem, mas o que dizia a teoria dos andaimes do velho engenheiro?
Que existe na vida humana duas coisas básicas: andaimes e edifícios. Os andaimes são os nossos corpos. Os edifícios simbolizam o nosso espírito em permanente estado de construção. Assim como é difícil perceber qual será a forma de um edifício em obras, quando os andaimes estão à sua volta, da mesma maneira pouco se distingue as nossas construções interiores (há mesmo pessoas que mal conhecem a si próprias, tão preocupadas estão com os seus andaimes). Curiosamente, alguns chegam a afirmar que o edifício em si, após um certo tempo, fatalmente desaparecerá. Naturalmente eles confundem andaime e edifício. Talvez acreditem que o ser more no corpo e nele se resuma. Não é de se estranhar, pois, que ao não se distinguir corpo e alma, as pessoas dêem mais importância ao que é provisório (ao andaime), do que ao que é eterno (o edifício que está permanentemente em construção). Como conciliar, então a estranha crença das pessoas no Grande Arquiteto do Universo (ou Deus) com a idéia de que removido os andaimes (o corpo) desmorone todo o edifício?
Eu ouvia o amigo engenheiro, que se mostrava sinceramente entusiasmado com as divagações que um simples andaime permitia, quando o alertei que estávamos chegando ao nosso destino; que ele encerrasse o seu raciocínio. E ele o fez: "Que os andaimes sejam importantes, ninguém ousará negar. E o nosso corpo-andaime o é. O que se precisa e com urgência é deslocarmos nossa visão para a obra em construção. Aqueles que tem essa noção costumam cuidar muito bem do andaime, pois terá que prestar contas do seu uso, mais tarde. Mas em nenhum momento podemos deixar de estar atento à construção da obra ou à sua reforma."
Despedi-me do amigo e seguimos nossos rumos. Se essa teoria se tornar corrente e nos perguntarem como estamos "tocando a nossa obra", o que haveremos de responder?
Seção Requentação (Porto Velho, 28 de outubro de 1998)
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