terça-feira, 23 de dezembro de 2014

# pré-aquecimento poético de Natal #

O NATAL DE CADA UM

Ah, no meu tempo é que
havia Natal de verdade!
assim suspiram muitos
independente da idade...

Saudosismo renitente?
pode ser insatisfação
um modo de afirmar
por meio da negação.

A verdade, nestes casos,
é a verdade de cada um:
junção do que se gosta
e a fuga ao que é comum.

Retratos particulares, retalho
que se remenda, lembrança
família, amigos, presentes
e a distante infância.

Pois o Natal é, no tempo
este ponto de interseção
em que se concentram
feixes de emoção...

Cada fio de lembrança
evocam pessoas e fatos
que sempre se preserva
na memória ou nos retratos

Como pano de fundo podemos
ter aquele velhinho rechonchudo
ou o nascimento do menino-rei Jesus
e sua encantadora aparição, sobretudo

Podemos ter os laços de família
os momentos ternos de amizade.
em resumo, no entanto, cada qual
arranca do coração sua realidade.

Que este Natal e os outros que virão
seja o que eu, você e ele consiga ser
que carreguemos vivo no coração
o amor que teima em renascer.

Abel Sidney
23dez2014

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

crônica do dia | 22 de dezembro

BOM PARA A VISTA

Sabe o que me disse o oftalmologista no meu último aniversário?

- Muitos anos de vista para você!

Brincando, retruquei:

- Sou um homem de visão, doutor!

- Sei! Esta gracinha é velha e até um cego já me disse isso...

- E o senhor respondeu o quê?

- Fiquei sem ação, mas segundos depois ele completou: "De visão interior, é claro!"

- O senhor acredita em "visão interior", doutor?

- Piamente! A gente vê aqui fora o que está cheio o nosso coração e a nossa mente.

- Achei que isso era um pouco de exagero...

- Nada! As lentes ficam mais lá para dentro, bem além da córnea, do nervo ótico... Vou te contar um caso.

Felizmente, a minha era a última consulta do dia e ele parecia não estar com nenhuma  pressa. Nem ele, nem minha esposa, que se acomodou numa poltrona e, discretamente, nos ouvia.

Ele nos contou, então:

Um dia chegou aqui um pai com seu filho, de uns 8, 9 anos. Dizia que o menino não conseguia copiar quase nada direito do quadro. Trouxe até o seu caderno. 
Abri o caderno e me bastou ler duas frases para fechar o diagnóstico. 
O inferno é a estação das chuvas. 
Todo pidão pode trazer, de volta, a vontade de comer com os amigo. 
Na mesma hora escrevi uma frase e projetei para ele ler: 
Na prisão, meu camarada, a gente come macarrão todo dia! Carne? Só se for de rato, de mucura, de gambá! Aqui é um inverno. O filho chora e a mãe não vê!! 
Ele tropeçou apenas em uma palavra. Inverno virou inferno. O resto ele leu perfeitamente. 
O pai me pediu que eu traduzisse a segunda frase. “Todo perdão pode trazer, de volta, a vontade de conviver com o inimigo”. Ele ouviu, pensou, pensou e ficou ali, espantado, sem saber o que dizer... 
Chamei minha secretaria e pedi que ela servisse um lanche ao menino, enquanto eu conversava com seu pai. Este, na sua simplicidade, soube diagnosticar: 
- Meu filho está cheio de coisas ruins na cabeça... 
- E principalmente no coração! Parece que a palavra perdão não tem sido muito usada lá em sua casa. 
- Não mesmo! 
- Que programas de televisão ele tem assistido? 
- Nem sei! Mas desconfio que não é coisa boa. 
- Olha, traga ele aqui na sexta-feira. Vou dar uns presentes a ele. 
Foi assim que me desapeguei das minhas coleções de brinquedo, que ainda guardava. Gibis, revistas, carrinhos, o meu patinete... 
- E para mim, doutor, o que seria bom para a vista?

- Vou te aviar uma receita.

Esta receita a tenho até hoje, emoldurada na sala. O danado sabia também desenhar. São três palavras e os esboços respectivos: livro, música e amigos.