sábado, 23 de maio de 2009

Crônicas e ensaios II

Inspiração

"Acabei de ter uma inspiração! Cadê, cadê?!..." Um escritor em busca de uma caneta

A inspiração e a intuição são sentidos ainda não digeridos pela ciência (e suas tantas vertentes). Deve haver um ou outro destemido estudioso, que a despeito dos preconceitos acadêmicos tem se debruçado sobre estes (extras) sentidos humanos. Curiosamente, são os jornalistas os que mais sondam o assunto. E assim mesmo, por via indireta, ao perguntarem aos seus entrevistados (artistas, geralmente) como se dá a criação de obras literárias, musicais, etc. Deste modo, pelas vias marginais, surge a inspiração como resposta.

A afirmação clássica do Thomas Alva Edison sobre a inspiração é típica do pragmatismo americano. E, não por acaso, é expressa matematicamente: a cada 5% de inspiração devemos acrescentar 95% de trabalho ou suor. A despeito da admiração pelo inventor da lâmpada e mil e outros inventos, discordo parcialmente dele.

O ponto central de nossa tese é que, sem defender a lei do menor esforço, há muitas ocasiões em que sem nenhum trabalho prévio, a inspiração nos dita o esboço completo de uma obra (músicas, contos, cenas, etc.). O trabalho nesses casos ocupa uma proporção muita acanhada em face da inspiração. Felizmente ninguém é visto como um artista menor por essa razão.

Suspeita-se que a inspiração costume freqüentar com mais assiduidade aqueles acostumados a um 'lento processo de elaboração interior', ou seja, uma constante ruminação dos temas de seu interesse. Mas não deixa, também, de visitar os distraídos ou ocupados com assuntos não relacionados com os sugeridos por ela.

A inspiração nos chega por meio de palavras, imagens e sons. A combinação destes três elementos (e outros que puderem existir) se transforma em idéia. Idéia clara, que por vezes mais se assemelha a um mapa, a um roteiro, prontos para serem utilizados. Ou uma idéia vaga, que nos cabe trabalhar, lapidar.

As mulheres e as mães, em particular, parecem ter este sentido mais apurado do que os homens. Sem contar um outro sentido, que é o da premonição. Quem não se lembra pelo menos de um fato em que uma mãe anteviu o que aconteceria a este ou aquele filho? E o pior: o alertou? Quantas vezes nós ignoramos estes avisos maternos e nos aconteceu alguma coisa?

Buñuel, o cineasta espanhol, em sua autobiografia, conta que o Chaplin se utilizava da inspiração para criar os seus filmes e suas trilhas sonoras. Ele dormia com um gravador ao lado da cama e acordava no meio da noite com as idéias prontas, que deixava gravado, para posterior exame. Foi assim que ele compôs a música tema de "As Luzes da Ribalta". Inspiração noturna e onírica. 

Vestígios, blocos inteiros, pequenas indicações, vagas imagens. Seja como for a apresentação ou a medida da inspiração, recomenda-se dar-lhe atenção. Tomando cuidado, é claro, para evitar-se captar ou receber "obras já existentes" ou de qualidade para lá de duvidosa. Separando-se o joio do trigo, é possível ampliarmos, deste modo, os nossos sentidos.

Sem trabalho e um certo talento, no entanto, a inspiração pode, quando muito, nos estimular. A nossa parte, do suor, cabe-nos fazer.

Seção Requentação (Porto Velho, 21 de outubro de 1998).