O falecido
Quando
tio Virgílio faleceu, tia Moça desejou morrer também. Isso ela não contou para
ninguém e até medo de pensar
alto ela
teve! “Nada como um dia atrás do outro...”, chegou a comentar com uma amiga,
desejando resistir. E fez-se forte, no correr dos dias, engolindo
os soluços e apostando em dias menos vazios... Tio Virgílio,
como bom marido-fantasma que se tornara, esteve com ela, a lhe reanimar para a
vida durante alguns meses. No dever de viver para “criar os meninos” e cuidar
do armazém ela foi ficando, fincando raízes profundas. Encontrei tio Virgílio,
na mesa mediúnica, anos atrás e ele me confidenciou: “O tempo de sua tia-avó se
esgotou. Vou levá-la comigo... Se ela permitir, é claro! Ela se agarra ao corpo
e tem nos dado muito trabalho. Para quem desejou tanto me ver, ela até que está
mudada! Vive agora dizendo que tem medo do ‘falecido’... Vá, entender, meu
neto, vá entender!”
De ouro...
Quando morei em Paracatu, meu maior prazer era ir
conversar com os caminhoneiros na lanchonete do posto de gasolina da estrada
que liga aquela cidade a Belo Horizonte e a Brasília. Como geólogo contratado
por uma grande mineradora eu vivia por aquela região buscando indícios de ouro,
zinco e outros metais preciosos ou raros. Mas, para não ser molestado, eu me
tornei um simples professor de Matemática, que nos finais de semana se embrenhava
pelos cerrados e rios, matas e grutas, com os amigos e, especialmente, com os
colegas de trabalho que vinham de longe certificar-se dos meus achados. Um dos
caminhoneiros com quem eu pude conviver mais de perto era o Paranaense. Com ele
cheguei a viajar algumas vezes para Vazante, onde ele ia buscar minério de
zinco no seu velho FNM. Todas as manhãs eu o encontrava tomando seu café com
leite na lanchonete do posto. A cada dia ele levava a tiracolo um dos seus
quatro filhos, todos pequenos. Um deles, em especial, me chamava a atenção por dois
bons motivos: o prazer de ouvir conversa alheia e a capacidade de observar as
coisas e por meio delas evadir-se... “- Cadê
o menino?”, eu perguntava ao seu pai, brincando, ao percebê-lo distante. “-
Pergunte pra ele, ora!”. Naquele instante ele fitava a máquina de fazer café.
Não sei se pelos reflexos do inox ou qualquer outro motivo. Inesperadamente ele
se virou para mim e antes que eu pudesse dizer alguma coisa, comentou: “Não
parece de prata?! Mas nem disso é! Se fosse de ouro vocês nem seriam amigos,
não é? Um já teria matado o outro para ver quem ficava com tudo...” Lembrei-me,
de súbito, dos veios que encontrara. No dia seguinte, voltei para o Nordeste.
Sem um grama no bolso! Assim nasceu minha pousada nas areias quentes e
desertas, por aquela época, um recanto desconhecido entre Itabuna e Salvador.