domingo, 4 de julho de 2010

Nada mais nos é estranho... Ou é?

A obra aí ao lado, cujos pedaços podem ser acessados graças ao poder de escaneamento do Google Books, contém algumas pérolas, que partilharemos:

Hexagrama 65

  Nenhuma dor pelo dano.
Todo dano é bendito.
  Do ano mais maligno,
nasce o dia mais bonito.

TAMANHO MOMENTO

  nossa senhora da luz
ouro do rio belém
  que seja eterno este dia
enquanto a sombra não vem

DATILOGRAFANDO ESTE TEXTO

  ler se lê nos dedos
não nos olhos
  que olhos são mais dados
a segredos

Com direito de réplica, se ele puder se manifestar...

Na dúvida, fico, fincado, com a fé

Respondendo ao poeta eu diria:
Só tem dúvida quem procura se esclarecer...

Se fé brotasse n'alma feito praga
que se espalha, livre, pela plantação
em tudo se acreditaria, até mesmo
em mentira deslavada, cabeluda
ou em crua superstição...

Fé mesmo, dessas que se sustenta
mesmo que sopre o vento e venha a chuva
é aquela que se fundamenta
em muita vivência, observação...
Daí que, então, se acredita
quando o olho, vivo, surpreende assombração!

De pé permanecerá, viva, a fé
que incitada pela dúvida
busque saber, sentir, intuir
pois fé é madeira de lei queimando
e formando, em boa brasa, o carvão
que depois há de aquecer, reconfortante
o peito de quem busca consolação...

De pé, sustentado e firme,
a fé há de me manter seguro
quando soprarem os ventos da ilusão
pois quem tem olhos de ver,
em meio a engodos, iscas, tentação
há de discernir, de perceber
o que ligeiro, não ficará
para eleger o que há permanecer

Na dúvida, fico com a fé, que como guia
estribo, baliza, forte orientação
nos ajuda a prosseguir no caminho:
quando o vento sopra frio, duro
ninguém é bobo de desguarnecer o coração...

-------------------------------------------------------------

O poema do Leminski, que dispensa nome, é este aí, abaixo.
Nunca sei ao certo
se sou um menino de dúvidas
ou um homem de fé

certezas o vento leva
só dúvidas continuam de pé

O direito de réplica, por quaisquer vias, está, desde já, garantido... Que ele se sinta avisado.

-------------------------------------------------------------

Este e outros interessantes poemas do Leminski, podem ser lidos, aos pedaços, em sua obra póstuma O ex-estranho, graças ao Google Books.

Vitalino de Caruaru poderia ter isso este oleiro...

Uma criança se aproxima de um oleiro que molda bonecos no barro e pendura as estatuetas no varal para secar. Chega perto, admira os seres enfileirados, fica fascinada com a perfeição daquelas pequenas criaturas que se multiplicam nos movimentos exatos das mãos do escultor. Mesmo assim, pergunta:

– Por que é que você está fazendo tantos bonecos de barro se o mundo está tão cheio de gente?

E o oleiro, sem tirar os olhos e as mãos do trabalho, responde:

– É para preencher os vazios da vida, e não faz mal nenhum misturar as criaturas de barro
com os homens reais. (Anônimo)