sábado, 16 de abril de 2011

Dispersão

Andei disperso, disseminando muita coisa ao vento
e agora, mais sereno, devo me disciplinar...

Disse um dia alguém, insuspeitadamente coerente:
semeadura exige canteiros em linha,
e embora a geometria indique prisão
(grades, espaços circunscritos, limitados)
não há melhor chão a acolher tua semente
do que aquele antecipadamente preparado -
já trilhado, cuidado, anteriormente visitado...

Tenho, pois, encontro marcado, todo dia
com a Poesia, que exigente há de me cobrar:
- semeaste, preparaste, o que andaste lapidando?
o que andaste lendo? a quem revisitaste?
- pensas que basta lançar a mão ao vento?!
as mãos carregam o que vai cheio teu coração
e este não se preenche somente de promessas
de sonhos, de quimeras, mas de suor no chão...

Calo e me preparo, tomo o alforje na mão
sei já o que carrego, o que tenho catalogado
o que devo desprezar para que, vazio,
me encontre atento e aberto
ao que devo acolher
para semear

3 comentários:

Otelice disse...

Olá, Abel!
Obrigada pela visita e palavras gentis.
Seja, sempre, bem vindo.
Feliz Páscoa, para você, também.
Um abraço grande

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Abel,
Varreste de mim, com a de piaçaba mesmo, a dor de não entender a que nos destinamos em vida. A cada dia descubro, entre versos e o sofreguidão da palavra escrita ou da arte sublime, que o nosso destino é morrer cansado e sem entender que a poesia pode ser o recanto de nossa alma. Precisamos seguir sem dor.

Abel Sidney disse...

Rime dor com verso que redime

Se a dor nos faz companhia
em contrapartida podemos ter
do lado de lá, a contrabalançar
seja como alento, como atadura
talvez como compressa quente
como antídoto para a amargura
ternos versos, milagrosos
feitos benzedura...

mesmo que o coração, atado
em nós, em talas amargas
permaneça insone, amuado
mesmo que do lábio mudo
não sobressaia, aberto, franco
uma prece que liberte do estorvo
ou sirva de anteparo, de estanco
há versos que curam...

de suas rimas internas, anuncio
como exige o tom profético
que à vida eles devem fidelidade
pois que se certas dores as medidas
tão bem se faz com a imensidade
a Poesia não pode ficar atrás
e leal às vísceras, em bom tom
há de segregar, em abundância
humores, hormônios, morfinas
algo como densa treva a esmaecer
como o sol a nascer, nas campinas

Se outros poetas, a brincar com a vida
não se aventuram a ir mais além
do que fazer das palavras um jogo
hei de lembrar evocando Prometeu
que o mal também se cauteriza com o fogo
- de atmosfera pestilencial, de ziquizira
de mau-olhado, de tudo que oprime
de baixo astral aos males da ira
há versos perfeitos ou mancos,
brancos, metrificados ou livres
a funcionar mesmo como unguento
a arrancar o sujeito do abismo
da depressão, do desalento

Mas para tanto, ao Poeta cabe ficar atento
Livrando-se ligeiro, sem tardança, dos embaraços
da sedução e das artimanhas do Tinhoso
que promete ao elemento verbos em abundância
que diz que nunca há de lhe faltar inspiração...
cuidado! pois que no vinho capitoso da ilusão
podemos nos deparar com pensamentos amargos
como a ideia tenebrosa a combinar beco
com ausência de saída, com ponto final
tornando muitos suicida

Outro pacto cabe ao Vate, ao lidador com os versos
pois este deve em meio ao suor, não se fazer rogado
pois se como remédio d’alma ele manipula, animado
em palavras elevadas, profundas, a erva fina
será também como alimento que lhe cabe servir
sustância firme disfarçada em sopa rala, na medida
o entusiasmo do ser inteiro – coração e braços
aos que exigem, frágeis, acolhida, abraços...