terça-feira, 5 de julho de 2011

crônicas ou quase isso (iii)

Tocando em frente

      "Conhecer a marcha, ir tocando em frente..."
      Renato Teixeira e Almir Sater
       
Destino, sorte, estrada são temas frequentes na poesia do nosso violeiro, romeiro e caipira Renato Teixeira. Ele prossegue, tocando em frente, como no título de sua canção, título hoje de nossa crônica. Em Cavalo Bravo ele escreve: "E lá vou eu mundo afora / Montado em meu próprio dorso". Montar no nosso próprio dorso, tomar as rédeas na mão e tocar a vida, eis o sentido e o rumo a seguir.
O aprendizado para nos tornarmos o condutor do próprio destino não é fácil. Poucos têm a exata noção de que somos nós quem desenhamos as linhas do próprio destino, na palma da mão. O que as ciganas lá possam ler está sendo escrito e reescrito todos os dias, por nós mesmos. O que estamos a plantar, naturalmente colheremos mais tarde. Quanto à possibilidade delas lerem o nosso futuro é outra questão, que não cabe aqui debater, embora eu acredite que seja possível esse descortinar das coisas que ainda estão por vir.
Discutindo sobre o tema com um amigo, ele me narrou uma pequena história, real, que pode muito bem ilustrar o que vimos escrevendo. É preciso dizer que ele, como preâmbulo, ensinou-me um pouco sobre os mitos gregos.
Contou-me que os gregos tinham uma concepção trágica do destino. Um bom exemplo era o mito de Sísifo, aquele do homem condenado a rolar uma pedra até atingir o topo de um monte para depois vê-la rolar em direção ao vale, sendo obrigado a repetir eternamente o mesmo ato, sem nunca conseguir atingir o seu objetivo. O destino, para os gregos, estava nas mãos dos deuses, que inclinados às nossas paixões, eram humanos, demasiadamente humanos...

Eis a história:

Certo professor no interior do Rio Grande do Sul, desses de escola primária, começou a se destacar no seu trabalho junto aos alunos, que com ele aprendiam línguas, entre outras disciplinas que não constavam no currículo.
Francisco Valdomiro Lorenz, proveniente da República Tcheca, fugira da Primeira Grande Guerra e viera para o Brasil. Poliglota e dotado de uma vasta cultura geral, não passou desapercebido, tendo suas habilidades sido reconhecidas pelo governo gaúcho.
A despeito da estranheza de um intelectual de seu porte ter escolhido um daqueles grotões para viver, ele adaptou-se bem àquela vida simples, podendo se dedicar com mais afinco à sua especialidade: escrever ensaios sobre línguas, criar dicionários e outras tarefas tão nobres, quanto difíceis.
Um aluno seu, de porte franzino, tinha uma estranha síndrome, que se caracterizava pelo quase total alheamento da vida. Nada fazia sentido para ele. Era adepto do "tanto faz, como tanto fez" ou do "ah, tá bom assim mesmo!".
Descobriram que o seu pai, por uma dessas deformações das idéias religiosas, deixava tudo nas mãos de Deus, inclusive a sua roça, que estava entregue às pragas. Diziam que em suas mãos não existiam calos, pois não era dado ao trabalho. O filho seguia os passos do pai.
O professor, então, decidiu despertá-lo do seu torpor. Convocou todos os alunos a cavar um poço. O menino, arredio, ficou por perto, apenas observando. Após terem cavado mais ou menos quatro metros o professor propôs que o menino fizesse a sua parte, que ele cavasse. Desceram-no por uma corda e ele, meio a contragosto, pôs-se a cavar. Vinte minutos depois ele pediu que o tirassem de lá, pois se cansara. Os alunos e o professor, no entanto, nesse meio tempo haviam ido tomar água. Quando voltaram o encontraram aos gritos. O professor amarrou a corda no sarilho, a soltou e disse que a ele cabia o esforço da subida; que não o puxariam, pois estavam todos muito cansados...  
Lorenz ainda lhe informou que ele e seus outros colegas estavam indo tomar banho no córrego; que ele não demorasse muito; que eles o esperavam lá. 
Ele não teve alternativa senão subir sozinho, a duras penas. Quando, porém, atingiu o topo, todos lá estavam a esperá-lo. Aplausos e abraços. Ele não sabia o que dizer, todo encabulado que ficou. O professor, então, o felicitou dizendo:
- Muito bem, hoje você aprendeu uma preciosa lição. E você mesmo nos dirá qual é... Responda: onde estava o teu destino quando estavas sozinho lá dentro do poço tendo apenas a corda como tua companheira?
Timidamente ele respondeu: "Nas minhas mãos".
O professor reforçou a lição, dizendo que o nosso destino está sempre em nossas próprias mãos; que a nós cabe tomar as rédeas e nos conduzir, acreditando que Deus faz a sua parte e que a nossa caberá a nós fazermos.
O meu amigo, muito modesto, não me contou, mas ele próprio fora aluno do tal professor e personagem da história. Se ele mesmo era o menino, não me contou... 

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