quinta-feira, 28 de março de 2013

poeminha acriano


eles trocavam impressões poéticas            

cada dia lá ia o carteiro entregar correspondência
no velho endereço: no alto do morro, mirante com boa vista
de onde se estendia toda cidade aos seus pés

mas o poeta que recebia tantas cartas todo dia
modesto, amigo, cortês não se permitia desfeita
e ao carteiro oferecia a boa macaxeira,
o açaí, a pupunha cozida
não aceitando que o velho moço dali saísse sem levar
bem forrado no estômago - da alma, é bem dizer
um pedaço do vasto mundo das fartas e substanciosas
palavras ofertadas em meio à boa prosa, entre tantas mastigadas.

o carteiro descia ladeira abaixo,
desde lá da morada do sol
percorrendo cada via
do seu itinerário com as sobras
do que ainda mal deglutira:
quantos casos de assombração
quantas histórias de curupira
quantas luzes apagadas da poronga
em noite fria

e o carteiro ia, de casa em casa
e distribuía junto com as cartas
(carimbos, selos, datas e assinaturas)
tudo isso em outras prosas,
em outras rimas
quando, é claro, não rompia todas as rotinas
e caia próximo ao canal, numa tarde qualquer, de qualquer dia,
na mais doce e o que mais possa expressar
sua mais terna alegria:
soltar pipa com os meninos
correndo feito doido
camisa solta, amarelinha, ao vento
tal como no conto do menino avoado,
como rimava o poeta
ao escrever na manhã daquele dia
mais um conto e todo nele concentrado
– toda sua poesia.

26 out 2005 || ao Francisco Gregório, poeta e ativista cultural acriano

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