quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ítaca ou Conversas em torno da vida vivida, do sucesso, do fracasso, da vida a se viver...

Um ministro, uma empreendedora e um psiquiatra conversam sobre a ilusão do sucesso e o temor ao fracasso

Os conceitos de sucesso e fracasso estão em pólos opostos e podem ser vistos como relativos quando, com o passar o tempo se aprofunda a reflexão sobre os momentos de vida das pessoas. Cristóvão Colombo morreu na pobreza, sem saber que tinha chegado a América e o próprio Cristo, que ao padecer na cruz marca a verdadeira vitória sobre a morte, foi visto por muitos de seus contemporâneos como um fracassado, são alguns dos personagens da história que viveram esta dualidade.

Em uma mesa redonda ocorrida na Universidade Católica do Chile conversou-se com René Cortázar, economista, ex-diretor executivo da Televisão Nacional e Ministro de Transportes e Telecomunicações; com Mirella Cannobio, dona de uma pasteleira na comunidade de San Ramón, mãe de três excelentes alunas da universidade e com Jorge Barros, chefe da Unidade de Psiquiatria Infanto-Juvenil da UC. Entre os temas que se abordaram estão o risco ante os desafios, o medo do fracasso e as expectativas face ao sucesso e a morte.

Ao falar do tema da morte, Jorge Barros se referiu ao suicídio, às pressões do sucesso e o medo do fracasso, mencionando que apesar de todos avanços da medicina moderna terem melhorado consideravelmente a vida das pessoas, as taxas de suicídios se mantiveram estáveis ou aumentaram durante o século XX. Isto mostra a complexidade do ser humano e os diversos fatores envolvidos. “Entre estes estão, sem dúvida, o desejo de um sucesso específico e a sensação de fracasso quando não se obtém isso. A pessoa se sente desiludida por não ter conseguido uma meta que a priori se desejava obter e é incapaz de reconhecer as metas intermediárias”, comentou o psiquiatra.

Por outro lado, tivemos o depoimento comovente de Mirella Cannobio, que colocou como meta a educação dos filhos e estes tem atingido resultados excepcionais. Para isso, esforçou-se em apoiar suas filhas universitárias, transmitindo-lhes a importância do esforço, do rigor e da disciplina para serem estudantes competentes. Com uma casa cheia de livros, três de suas filhas conseguiram chegar à Universidade Católica com alta pontuação nas provas em carreiras como Medicina, Engenharia e Odontologia, além de ter seu filho menor no Instituto Nacional. Ela conta que não foi fácil e que o seu êxito somente será pleno quanto vê-los com seus diplomas. Disse que gostaria de ser lembrada apenas “como uma mãe que cumpriu com seu dever, nada mais”.

O ministro Cortázar também referiu-se a este aspecto, ao recordar seus méritos profissionais e o papel de seu pai, falecido em dezembro do ano passado, em sua vida. “Depois de sua morte pensei nas muitas coisas deixadas por ele”, o quanto ele me protegeu em minhas fragilidades, estando sempre presente.

(…) Cortázar afirmou que o sucesso costuma demandar tempo e é necessário tomar consciência disso, no sentido de ter cuidado de não se deixar iludir. Sobre este ponto, Barros usou a imagem do poema Ítaca de Konstantínos Kaváfis, que relata a viagem de um homem a esta ilha grega. O personagem ao chegar a seu destino se dá conta que sua meta perdia o valor diante do que ele tinha vivido durante o percurso. “A meu ver, o grande sucesso é ter a vontade, a disposição de desfrutar e a capacidade de reconhecer na vida cotidiana o valor das coisas, o olhar para atrás e reconhecer que se realizou a tarefa, apesar de que tenha sido menos do que se esperava ou mais do que se pensava“, concluiu o psiquiatra.

Fonte: Pontificia Universidad Católica de Chile - 6/4/2009

http://www.universia.cl/portada/actualidad/noticia_actualidad.jsp?noticia=141895

Tradução: Abel Sidney

Ítaca, conforme aprendi ainda há pouco, "é o porto seguro pretendido por Ulisses na Odisséia de Homero".

E é também o poema do grego Konstantínos Kaváfis (1863-1933)

Ítaca

Se partires um dia rumo à Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posidon te intimidem!
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito. tocar
Nem lestrigões, nem ciclopes
Nem o bravio Posidon hás de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.


in: O Quarteto de Alexandria - trad. José Paulo Paes (poeta e ensaísta).

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