domingo, 24 de maio de 2009

Crônicas e ensaios III

Que falta fazem as mães

"As mães não deveriam morrer nunca...Carlos Drummond de Andrade

Em 'Recordações da mamãe', simples papel manuscrito guardado na carteira, Drummond carregou por toda a vida os três pedidos feitos pela mãe: 

Não guardes ódio de ninguém;

Compadece-te dos pobres;

Cala os defeitos dos outros. 

Ele parece ter cumprido os desejos da mãe. Não consta de sua biografia que tenha tido inimigos. Se foi generoso com os pobres, não o sabemos. E se o fora, também, não teria dito, pois não era dado às indiscrições. Quanto aos defeitos dos outros, parece não ter tido tempo para o sinistro ofício de divulgá-los. 

Sua mãe, que mereceu dele um dos mais belos poemas sobre o tema, marcou-lhe por toda a vida. Ela alimentou-o com aquilo que os ladrões não roubam, nem roem as traças. Lições ternas e simples que fez questão de levar consigo pela vida inteira, manuscritas (a pequena síntese acima) e aquelas outras, impressas direto no coração. 

Nos seus primeiros escritos, o mineiro de Itabira escreveu que um anjo, desses que habitam o limbo, o teria inspirado e dito: 'Vai, Carlos, ser gauche na vida'. Numa tradução livre: "Vai, Carlos, não importa se pelas vias tortas, vá ser poeta na vida!" Ele foi. Mas desconfio que um outro anjo guiou-o. 

Esse anjo tem também o dom de permanecer nas sombras. Não as sombras do anjo torto, que é dado a estripulias; mas as sombras generosas que carrega consigo e que oferece, como um colo amigo, a quem necessite. 

Colo de mãe é assim: uma sombra, nos bravios ou longos estios da vida. Ela, mesmo à distância, nos acalenta e reconforta. Discreta e delicadamente nos aponta rumos, que nem suspeitamos existir. Quem tem olhos no coração vislumbra esses horizontes distantes. Por isso as mães quase sempre conseguem nos fazer distinguir as soluções para os problemas mais intricados. Essas indicações não nascem de meros raciocínios; nascem sim de um processo onde se misturam a intuição e todos os outros insuspeitados sentidos. Como o da premonição. Qual a mãe não é dotada desse extra sentido?

Por que estamos falando sobre as mães? Por um motivo simples: é que elas nunca fizeram tanta falta, como agora. Este último refúgio seguro, às vezes nos dá a impressão de estar em extinção. 

Devíamos fazer uma campanha para que se preservem as mães. Ou, de modo prático, que ajudemos a fazer nascer novas mães (e pais) mais conscientes do seu papel na formação integral dos filhos. Como filhos tornam-se pais, com a multiplicação das mães e pais responsáveis, teríamos em breve um mundo muito melhor, tão desejado por tantos. Não custa nada sonhar!

Seção Requentação (Porto Velho, 21 de outubro de 1998).      

2 comentários:

Unknown disse...

Belo texto. Realmente as mães estão em extinção.A cada dia mais encontramos seres reprodutores que jamais poderiam ser chamados de mães. Seres estes que se quer conhecem o mínimo dos significado da palavra mãe. Apenas produzem de maneira insconciente, cheio de desamor. Mas Deus pensa em tudo e graças por existir MÃES verdadeiras, que por um defeito da natureza não puderam gerar seus filhos em seus ventres, mas acolhem àqueles que foram expostos aos mundo sem o menor amor de mãe. Precisamos sim, fazer campanha para concientizar as "mães" para a adoção.

Abel Sidney disse...

Grato, Helena

O texto realmente não contempla estas outras mães, as que adotam os "filhos do coração" e que demonstram que o amor delas não conhece barreiras!

Valeu.