domingo, 31 de maio de 2009

Crônicas e ensaios VII

Como a classe média trata os seus filhinhos

"Sob o ditames da moda, do sucesso, do fácil, vamos criando um verdadeiro exército de imbecis - ricos, mimados, cruéis..." Pedro Garcia de La Vega

Conversava há poucos dias com uma funcionária do Banco do Brasil. Economista, professora universitária e mãe. Desde os doze anos todos os seus filhos trabalham. Meio período, com critério, mas também com rigor. Trabalho que em nada atrapalhou os estudos deles. Pelo contrário. Bastar ver que estudam em boas universidades, cujo acesso nunca é facilitado.

A sua filha, elas nos contou, dá-lhe hoje os créditos de mãe no sentido maior da palavra. Por reconhecer que os rigores, o 'autoritarismo' e as 'chatices' dela, foram fundamentais para o seu desempenho escolar e para a sua tranqüila vida de estudante. Ela lava, passa, cozinha, estuda (é claro) e sobrevive sem sobressaltos com menos de quatro salários mínimos. A sua colega de apartamento recebe praticamente o dobro e vive emprestando dinheiro. A primeira teve uma mãe que a educou verdadeiramente. Sem cair na cilada do 'coitadinha da minha filha'. Ou do 'tudo o que eu não tive, vou dar a ela'. A outra teve uma mãe que a protegeu, não a preparou para os embates naturais e saudáveis da vida e hoje ela não sabe se conduzir. Talvez aprenda com a colega, se tiver bom senso. Talvez.

Os pais devem ocupar os seus filhos. Trabalho remunerado, voluntário, doméstico, simbólico, o que seja. Porém os pais e mães da nossa decadente classe média teimam em protegê-los, livrando-os do trabalho... E a proteção é tanta que se transforma qualquer adolescente em fase de crescimento em criança de berço. Daí, talvez, o apelido deles: filhinho de papai, da mamãe, mauricinho, patricinha, etc.

O filhinho, ao contrário dos pais, que lutaram, trabalharam, suaram e venceram, não pode trabalhar. Ou se ocupar com alguma coisa útil. Pode ficar traumatizado. Ou ainda atrapalhar os seus estudos (como se alguém conseguisse estudar todas as horas do dia). Nada mais falso. Nada menos saudável. E as conseqüências, senhores, é bem sabido. Uma legião de rebeldes sem causa, sem rumo, sem a mínima disciplina, respeito e noção do que é viver em sociedade.

Muitos argumentam: eles não trabalham porque não encontram emprego. Mas que emprego desejam para os seus filhos? Evidentemente nada que se assemelhe aos que eles tiveram. Eles puderam ser disciplinados, aprenderam a respeitar hierarquia, cumprir horário e outras coisas nem sempre agradáveis mas necessárias. E agora, é de se pasmar, negam tudo aos seus filhos. Eles estão sendo privados de tudo isso. Do que é fundamental na formação de uma criança, adolescente ou jovem.

O que esperar? Que o Exército discipline o seu filho? Antigamente, quando o adolescente estava beirando as raias do crime, existia essa última esperança. Ele iria servir a Pátria e no quartel recebia o que em casa não lhe deram. Noções básicas de educação... E agora, o que fazer?

As meninas também estão sob as asas da proteção dos pais da nossa decadente classe média. Elas já não aprendem mais a trabalhar nas lides domésticas. Não se aprende a cozinhar, arrumar casa, lavar e passar, pois isso hoje é coisa de 'empregada' ou 'secretária'... Motivo? Quase sempre o mesmo: as oportunidades que eu não tive ou tive com muito sacrifício, darei aos meus filhos. De 'mão beijada', sem lhes dar pistas do que sejam as palavras esforço, sacrifício, luta. Essas oportunidades, desse modo, excluem a educação mais básica, aquela forjada na convivência, no espaço simbólico chamado lar, onde se aprende as noções fundamentais de convívio humano. E onde, o mais importante, aprende-se regras de conduta. Estas regras são assimiladas através de tarefas, responsabilidades e isso exige participação, trabalho. Nem que seja o mínimo, quando não haja possibilidades maiores: pelo menos que se lave as roupas íntimas, guarde-se os objetos de uso pessoal e coisas do gênero.

Espera-se que não se poupe tantos os filhos. Se poupança (monetária) nunca rendeu muito e aliás existe mais para preservar valores do que para ampliá-los, o que dizer do fato de se buscar a todo custo poupar os filhos dos embates da vida?!... Eles vão estagnar. Sem riscos, sem dor, sem luta, não há crescimento... Não existe investimento melhor para os nossos filhos, do que lhe darmos trabalho. Acreditem.

Seção Requentação (Porto Velho, 6 de novembro de 1998)

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