segunda-feira, 4 de julho de 2011

surto poético intermitente (x)

De herança, o coração

Certo poeta egoísta e glutão
não disfarçava nunca sua fome
de gozo, cupidez, retenção – dizia o conto.

Ele gostava de reter, sob seu controle
tudo o que pudesse usufruir –
das palavras coletadas nos dicionários
ou recortadas em velhas revistas
até retalhos de memória (alheios ou seus)
anotados em pequenas tiras de papel (...)

Depois de colecionar organizadamente ricas rimas
e chaves de ouro capazes de abrir o entendimento
à mais profunda compreensão
ele ainda achou pouco e decidiu resoluto:
“conquistarei a própria imensidão!!”

Assim lançou-se na aventura de conquistar
os mais vastos espaços vazios
que alguém um dia possa imaginar:
terras abismais na lua, cidades submersas,
reinos suspensos por intricados cipós
em florestas seculares

Ou ainda recortes amplos do céu,
pedaços de solo intocados em
certos reinos da imaginação (...)

Descobriram depois, em tempo,
que ele era, em verdade, pródigo semeador,
autêntico caçador de sentidos
de novos olhares sob velhos motivos.

E tanto partilhou seus achados poéticos
doados, emprestados, lançados ao léu
como quem lança semente de mãos cheias ao chão,
que ele decidiu para si mesmo apenas reservar
um pequeno terreno, para construir um abrigo –
desses de terra batida, que alberga repentinos desenhos,
toscos riscos, enigmas, mistérios escritos a carvão...

Decidiu, também, escrever na própria lápide
a lhe guardar mais tarde os restos corpóreos (não os aéreos):
“no espaço infinito do vazio
que vai das estrelas mais distantes
ao mais rente canto do chão
entre rostos, abraços e sorrisos
deixo de herança meu coração”.

Ele não sabia, modesto,
do que carregava pleno no peito,
mas descobriram em tempo
de lhe preservarem certos anônimos feitos,
forjados à sombra de discretas aventuras

...ele que levara com graça, ato e palavra, ventura
aos que na vida, sorvem em meio aos soluços
seus travos intensos de amargura.

A partir e, em certa medida, um aceno ao poeta Manoel de Barros.

Um comentário:

Lucas França de Souza disse...

Dedilongos a tecilar a magica malha da vida que nasce nas cinzas do velho ao novo,
voo,
olhar,
vida.
Do poço ao céu sem rima nem bela esgrima de lançar aos pontos da
alma na
lamina não lamina do lábios delicados da poesia.