domingo, 22 de fevereiro de 2009

Literatura de auto-ajuda II

Não se pode dizer que se persegue gratuitamente as obras de auto-ajuda e os seus autores. Há fundamento nisso. Ou, pelo menos, aqueles que fazem o que se denomina crítica literária, acreditam piamente que suas opiniões

. partem de pressupostos (premissas, fundamentos) consistentes, não existindo perseguições gratuitas ou críticas desarazoadas;

. são fruto de uma avaliação, uma análise que podemos considerar científica, se levarmos em conta a possibilidade de qualquer outra pessoa, de posse do método, do referencial teórico, chegar a conclusões semelhantes...

Bem, por vezes, quem se manifesta não é propriamente um acadêmico (professor/pesquisador), mas um escritor, como o amazonense (e arquiteto) Miguel Hatoum. 

Ouçamos o que ele nos diz antes de se pronunciar sobre a literatura de auto-ajuda e o seu leitor...

uma obra literária permite ao leitor discernir tudo aquilo que, sem a leitura dessa obra, ele não teria visto ou percebido em sua própria vida.

O leitor mais sagaz nos devolveria de imediato:

- Epa, mas espere aí! Não seria esta exatamente uma das propostas da literatura de auto-ajuda: levar o leitor a reconhecer-se, a perceber-se, a discernir aspectos de sua vida, e a partir disso, tomar decisões?

Pois é, não há dúvida quanto às propostas dos autores da auto-ajuda. Os críticos, é preciso pontuar, não entram no mérito, propriamente, dito "dos efeitos salatures desta literatura, do ponto de vista psicológico", mas questionam as próprias substâncias do medicamento, isto é, as construções narrativas, as palavras utilizadas, para pretensos ou reais fins terapêuticos... 

No frigir dos ovos, eu, particularmente, penso que é preferível que se recorra à auto-ajuda e se encontre o equilíbrio, o bem-estar do que se permitir viver mal, mergulhar na depressão ou se matar!! Neste sentido, esta literatura há de ter, sem dúvida, a sua contribuição, o seu papel na saúde coletiva.

Porém, diriam os críticos não é necessário se matar a letra e o espírito juntos ao se escrever este tipo de literatura! Não é preciso jogar fora os recursos que a literatura e outras artes e técnicas afins duramente conquistaram ao longo dos séculos. Não haveria, pois, razão para se vender um medicamento que utiliza a palavra se maltratando tanto a própria palavra. Em outros termos:

. É possível escrever bem, utilizando-se de bons recursos, artifícios, mesmo se desejando aconselhar, entreter, estimular...

Fiquemos, pois, com Miguel Hatoum e o tudo o que mais se possa deduzir do que ele dirá:

O pior leitor é o passivo, resignado, que aceita tudo e lê o livro como uma receita ou bula para o bem viver. Este é o não-leitor. Porque o texto de auto-ajuda é um compêndio de trivialidades, palavras que não questionam, não intrigam nem fazem refletir sobre o mundo e sobre nós mesmos.

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