quarta-feira, 27 de março de 2013

Os monstros de Sofia



Minha sobrinha Sofia, quando tinha uns seis anos, era dessas crianças precoces, que dizem coisas que encantam e assustam os adultos. 

Felizmente, minha irmã sempre a tratou a pão e água, pois dizia que ela se transformasse numa estrela, numa artista, não teria como controlá-la, depois.  Bastavam os estragos que os tios e avós faziam...

Eu evitava entrar nas discussões do tipo “como educá-la” e simplesmente me divertia ouvindo suas intermináveis conversas com a mãe. 

Numa delas eu cheguei a anotar o percurso do longo diálogo, que se deu em frente à lousa, que minha irmã improvisou na varanda dos fundos de sua casa.

- Mãe, acho que vi um monstro!

- Um monstro?! Como ele era?

- Vi só a sombra, mãe, mas parecia que tinha dentes de tubarão!
 
- E o que mais?

- Asas de passarinho gigante. 

- Como o gavião ou a águia?

- Qual deles é maior, mãe?

- Acho que a águia.

- Então pareciam asas de gavião. 

- E o que mais?

- Tinha um olho só, mas parecia de Lobo Mau.

- Lobo Mau?

- Sim, quando ele quer devorar a Chapeuzinho Vermelho.

- E como é este olhar?

- De fome, muita fome!!

- Então o lobo não era assim tão mau... Ele estava só faminto!

- Faminto ou com fome, ele não tinha nada que comer a Chapeuzinho! Podia comer esquilos, por exemplo. 

- Que maldade com os esquilinhos, filha!

- Maldade nada, mãe, a senhora não desenhou aquele dia a “cadeia alimentar”? Um bicho que come outro bicho, os maiores que comem os menores? 

- É verdade. São coisas da natureza.

- Monstros tem natureza, mãe?

- É da natureza dos monstros assustar as pessoas. Eles existem para isso.

- Mas existem de verdade mesmo?

- Você não viu um deles ainda agora?

- Vi, mas posso estar enganada... Podia ser apenas uma sombra.

- Mas eles existem na imaginação de muita gente, que jura que já viu muitos deles por aí, principalmente à noite. 

- Como a Mula sem Cabeça, mãe?

- E o Lobisomem!

- Na chácara da vó Mercedes tem um Lobisomem, mãe. Quem me contou foi a Vera. Mas ele é mansinho. 

- Como é?!

- Ela disse que ele ficou assim depois que comeu linguiça de porco, feita pelo tio Vardo. 

- Essa é boa! Que história é essa, Sofia?

- Eu juro que é verdade, mãe. O tio Vardo confirmou. Ele mesmo preparou a linguiça, que tinha 27 pedaços. Era imensa! Ele fez isso para prender o Lobisomem e depois matar e arrancar o couro...

- E ele matou?

- Não. Ele ficou com pena. O Lobisomem tinha filhotes. 

- Filhotes?

- Foi o que ele me contou.

- Quantos?

- Três. 

- E os filhotes comeram também a linguiça?

- Não, mãe! Eles mamavam na Mãe Lobisomem, que também estava junto. 

- E como aconteceu isso?

- Foi numa noite de lua cheia. Ele fez a linguiça com 27 pedaços e dentro tinha uma linha de pescar bem grossa. O bicho que comesse teria que chegar até o último pedaço, que ele e o tio Tonho estavam segurando na ponta. Os lobisomens começaram a comer e foram chegando perto da casa da vó Mercedes. Quando deu meia noite eles começaram a uivar e estavam bem pertinho do pé de figo, onde dormem as galinhas (lembra?). Logo depois chegaram na frente da varanda da casa do tio Tonho. 

- E o que aconteceu?

- Eles tinham comido tanto, mas tanto, que dormiram ali mesmo...  

- E eles aproveitaram para matá-los?

- Bem que eles queriam, mas ficaram com dó, por causa dos filhotinhos, como eu te disse!

- E os lobisomens, então, viraram gente, quando o dia amanheceu...

- Ninguém sabe! O tio Vardo me disse que ele e o tio Tonho não conseguiram por nada deste mundo ficar acordado até o sol raiar. Eles beberam muito café, um beliscou o outro para não pegarem no sono, mas nada! Dormiram assim mesmo. 

- E quando o dia amanheceu...

- Eles não estavam mais lá!

- Mas devem ter deixado alguma pista.

- Deixaram sim. A linha de pescar, com pedaços de linguiça está guardada no paiol para quem quiser ver. 

- E você, filha, tem medo de Lobisomem? 

- Não tenho não! O tio Vardo prometeu que nas próximas férias fará mais uma isca de linguiça. Mas desta vez ele vai fotografar! 

- Logo, logo você estará de férias e nós iremos passar uns dias na chácara. Vou ficar acordada para ver se tudo isso é verdade mesmo.

- Que bom, mãe, será muito divertido.

- Mas e o monstro? Você não terminou de descrevê-lo.

- Ah, mãe, cansei! Estou com fome...

E assim se encerrou umas das tantas histórias que ouvi da boca de Sofia, nos dias em que estive em sua casa, em Apucarana, no Paraná. Na última mensagem que recebi dela, pela internet, parece que está vindo à tona uma nova história de suas aventuras. Veja aí:

- Tio, lembra o canivete que o Homem do Saco deixou bem perto do pé de limão rosa? O dono dele apareceu e perguntou quem tinha roubado sua relíquia de infância... Depois o senhor me liga que eu te conto tudo o que aconteceu! Sofia.

Prometi ligar e farei isso no próximo feriado, pois precisaremos de algumas horas para colocar nossas conversas em dia.



2 comentários:

Estudos Espíritas disse...

Esta história me lembrou uma que conheço de perto, quando minha filha leu As noites da Vampira, aos 10 anos, escreveu ao autor a fim de discutir se a vampira (personagem) não era ele mesmo. Foi interessante, ele respondeu pra ela, apesar de ela não acreditar na existência de monstros em baixo da cama, uma certeza porém tinha, aquela vampira existia de verdade dentro de cada um de nós.

Abel Sidney disse...

Grato pelo comentário, prezada leitora.

Sabemos que a imaginação é tão somente algumas das portas de acesso às múltiplas faces da realidade. A ficção cumpre, assim, o seu papel de divertir e, de alguma forma, levantar questões, debater, instruir.