domingo, 26 de junho de 2011

surto poético intermitente (ii)

Desnecessariamente, quanto fingimento!

Fingindo, poeticamente, disse:
“acredito nada ter a esconder
e muito pouco a revelar”...

Quem poderia me contestar
se com tanta ênfase me expressei
com a verdade em poucas linhas a declarar?!

Blefei, confesso, sem nenhum pudor
pois nesses jogos de palavras
creio seja permitido tais licenças,
mormente dizer o que não se sente,
para de algum modo
pelo avesso me anunciar

Poeta em anúncio profético
toma, por vezes, tom solene,
como se em púlpito invisível se colocasse,
não dispensando, é certo, plateia
que lhe possa aclamar os ditos,
pois, benditos que todos são,
(do que dizem pouco se salva)
mas do que fazem no percurso
para tornar a palavra meio-de-revelação
(somente por isso se põem a salvo)
os livra, sob o beneplácito divino,
de toda condenação...

Devo, então, me anunciar, me desvelando
que das esferas invisíveis me faço guia:
- como um cão treinado, que farejando
e sob o comando de mãos disciplinadas
leve adiante por caminhos insuspeitos
ideias, imagens, emoções, bem ou mal vestidas
mas que precisam, em tempo, ser acolhidas
para desafogar o ímpeto criador,
a veia inflamada de tanto torpor,
de rigidez daqueles que desejam escrever,
e sem lápis, caneta, grafite do mundo dos mortos
se aventurem a fazê-lo no mundo dos vivos

As palavras nunca morrem na garganta
dos que atravessam o rio para as terras d’além
e, afoitas, remoídas, aflitas ou sublimadas
sonham ganhar nova edição ou serem revistas...

Assim tais palavras e seus donos
(não mais ciosos de autoria)
sob o encanto, mesmo que amargo,
das descobertas novas, escapam
e por vias tortuosas, vencendo obstáculos
aportam em corações e braços que lhes acolhem

Tenho acolhido muitos fingidos
(que poeta poderá vangloriar-se, tolamente,
lidando com a própria dor, de não ter sido?)

Agora, sob o clarão mais alto da verdade
mesmo que esmaecida, dosada, diluída
para que todos possam recebê-la
sinto-os a se preparar para mergulho novo

Eles buscam em nós somente, então
campo de treino para fixar lições
para de novo exercitar sentimentos
pois cheios estão de ensaios, cerebrações!

Enquanto as armaduras da carne,
ainda em esboço, em sonho estão
acolho-os, para juntos brincarmos
eles, no sótão, eu no rés do chão
entre nós, no entanto, paira
em meio a boa e terna vibração
a certeza de que nenhum rabisco
será exercitado à revelia, em vão...

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